Thursday, June 27

Sobre nada


Produzir um texto sobre nada de especial tem vantagens inexprimíveis. E se as vantagens se tornarem claras, o texto deixa de ser sobre nada em especial, passando a ter um certo conteúdo. Se o possível conteúdo do texto sobre nada de especial passar a ser relevante, o problema seria então escrever um texto sobre textos, o que não seria, novamente, nada de especial.
Um texto que se debruce sobre si próprio deixa de ter qualquer importância. Porque se o texto falar de si próprio, então deixa de haver necessidade de que exista, porque só existiria para se justificar, mas não para justificar qualquer outra coisa. E já há muitas coisas que mereçam a nossa atenção para estarmos a criar coisas que não precisam de atenção porque não existem. Vamos emendar isso agora mesmo, e tratar do que fazem os autores de textos sobre textos, e por que o fazem.
O autor pode escrever para ser escritor. É uma actividade nobre e desinteressada, e ser escritor, nestes casos, é louvável. Mas infelizmente não serve para nada, muito dificilmente o autor vai escrever algo se tiver vontade de dizer algo, mas não tiver algo para dizer. Para que um texto sirva para alguma coisa, o autor tem de ter outro propósito. Aliás, um propósito.
O autor pode escrever para dizer alguma coisa. E é este, normalmente, o grande problema, e às vezes só com muita dificuldade disfarçável: escrever para dizer alguma coisa não é o mesmo que ter alguma coisa que dizer e por isso escrevê-la.
É verdade que há quem disfarce o não ter nada a dizer com uma perícia notável: é agradável ler um texto bem escrito. Mas para quê lê-lo? Uma boa enciclopédia está bem escrita, e de certa forma conta uma história recheada de pormenores. Quanto aos romances, há-os por toda a parte. Se alguém quiser escrever para si, óptimo. Se quiser escrever para os outros, seria bom que não o fizesse seja porque quer ser escritor, seja porque quer dizer alguma coisa.
Que justificação há para escrever, então? Todas: escrever sobre ideias que se têm, escrever sobre a vontade de escrever, sobre o que quer que seja, é obviamente uma faculdade e prerrogativa de toda a gente. Querer que os outros leiam, também. Mas quem escreve, porque quer escrever ou porque sente que deve escrever, por que não fazê-lo para criar algo que está para além da necessidade de escrever? Escrever para ser genuíno, a partir da vontade de comunicar algo — algo que existe mesmo, que é palpável, que o leitor dificilmente encontra noutro local. 
Por fim, e mais importante que tudo, escrever para ler: se queremos as coisas que a escrita pode trazer, o melhor é procurá-las na leitura, até porque é mais provável que os outros consigam escrevem sobre algo, visto que são muitos mais, do que a nossa não por isso mais descartável pessoa. Ler o que escrevemos, ler o que os outros escrevem, saber o que dizem e o que lhes respondemos. E ler para responder... porquê ter lido este texto (ou aquele) até ao fim?

Luís Lucas

No comments: