Friday, June 19

Ainda há cravos

Ainda há cravos no chão do meu país que dão cor ao mito,
as rosas são cada vez mais o luxo oferecido nos corredores
e templos da traição, as saborosas laranjas do sul simbolizam
a norte a putrefacção espiritual da canalha, o azedume dos agiotas.
Ainda há cravos no chão do meu país que rejuvenescem
a cultura do olhar, o gesto da mão na face de quem acredita
nas praias e na extensão solidária das águas, no território
de todos os berços, no acesso às esplanadas, no respeito
em festa. Ainda há cravos que não mudam de cor, um mar
que pertence ao poema, o som que o identifica na palavra
a maré da língua de muitos mundos, o idioma do azeite
dourado, o sabor do peixe nostrum, a pigmentação das hortas,
a simplicidade festiva da existência, o território dos jovens
com direito a um país com memória e portas abertas
ao seu registo futuro.
Nada é aparente na estratégia a Norte, a sua transparência
tem a opacidade de um deserto de areias negras,
tão negra como a devastação que querem infligir ao chão
do meu país que ainda faz brotar cravos de ressurreição solar.

Luís Filipe Sarmento, «Casa dos Mundos Irrepetíveis», 2015

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