Thursday, August 29


  Aquilo que temos de mais importante são os nossos segredos. Não as histórias da nossa vida, mesmo as mais embaraçosas, mas aquelas coisas que gostaríamos que nunca ninguém usasse contra nós. E contudo damo-las de graça, à primeira pessoa mais ou menos próxima, mais ou menos íntima que se aproxime. Mesmo que mais tarde nos venhamos a arrepender, mesmo que então desejemos voltar atrás e conseguir calar o que soltámos, da próxima vez voltaremos a contá-lo, a contá-lo irreflectidamente, a um novo alguém de que também não podemos estar seguros.

  Porque é que insistimos em fazê-lo? Não se trata de uma pergunta vã, do género "porque amamos outra e outra vez" ou "porque confiamos", isso sabemos porque é: porque não pode ser de outra maneira, se queremos ser felizes. Mas e os nossos segredos, o que é que têm que ver com isso? A situação parece-se mais à de quando gostamos de alguém daquela forma especial, e nos atrevemos, e damos aquele passo extra em frente ("Ei, se eu tiver coragem de dizer que eu meio gosto de você"), para logo a seguir termos oportunidade de nos arrepender, de desejar nunca ter tido essa coragem, porque o objecto dos nossos afectos aproveitou a posição de superioridade que esse tipo de conhecimento dá para nos rebaixar.

  Acho que continuamos a contar porque é uma forma de reviver o que aconteceu, se foi bom; de maldizer tudo com ajuda extra, se foi mau. Porque recontar é uma forma de recomeçar, e podemos embelezar um bocadinho os factos, aquilo que parecia tão preto já se aproxima do cinzento, nós já não fomos tão cruéis como parecia à primeira vista, e temos oportunidade de nos ouvir sobre o que aconteceu e de aprender, porque percebemos melhor, porque nos conhecemos melhor. Também acho que contamos por amor, a maior parte das vezes; por despeito (queremos fazer o ouvinte sofrer, sentir ciúmes), pelo egoísmo de nos sentirmos aliviados e de novo a actuar dentro da legalidade, ou simplesmente por orgulho, para nos fazermos maiores ou porque se não contarmos a ninguém é como se não tivesse acontecido. E esquecemo-nos dos danos que podemos causar com o nosso conto, as amizades futuras que não vão sobreviver àquela revelação, os amores que nos vão deixar porque não aguentam ter de viver com toda essa informação obscura e visceral.

  E tudo porque não fomos capazes de guardar aquele segredo sobre nós mesmos. Auto-cusculhas, somos os nossos piores inimigos.

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