Sunday, June 27

Deus na Oficina - I


Ainda que declare agora
nada saber do mundo,
pois que o mundo em si não existe
(mas só os modelos que fabricamos
para explicá-lo),
a ciência logo outros sonhos acrescenta
quando parecia querer roubá-los.
Acrescentará deus, não tarda,
à lista de gente famosa
eleita figura do ano pela Forbes,
com direito a entrevista por Bill Gates,
outro Grande Programador.

Resta-nos aprender e espalhar
a sua palavra, a sua utopia,
fundar sobre a ciência uma crença
que contemple o mais possível o amor
– abstendo-se, é claro, de o explicar –
e esperando do amor que não faça,
fiel a si mesmo, qualquer sentido,
um amor enfim liberto do tempo e do espaço,
apto a converter os povos
à poesia da ciência.

Alguns prestarão culto à mais ínfima parte de si,
tementes à mecânica quântica, outros,
assim no espaço como no tempo constantes,
assim no amor como na doença,
jurarão, de olhos postos no céu
(Havai, Atacama, Arecibo),
pela Teoria da Relatividade Geral.

Mas o que importa no fundo é aguardar,
e crer, sem deixar de levar a fé
perante o tribunal da razão,
recusando dogmas, milagres, profetas
(Galileu, Newton, Lorenz, Einstein).

Porque uma Teoria do Todo virá:
criança alguma ousará
não dirigir a palavra
a outra criança
ou desconvidá-la para a sua festa
de aniversário.

Tudo veremos reconciliado:
ficção e ciência,
tropo e teorema,
metáfora, equação

coeficiente

poema.

Rui Lage, O revólver

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