Thursday, May 28

Ciências moles

"Uma outra razão pela qual as ciências sobre o homem e a sociedade parecem ser mais "moles" - ou seja, menos rigorosas - é que, aparentemente, os que se dedicam a estas ciências estão mais habituados a pensar o seu saber de uma forma mais rica e colorida, menos a "preto e branco". Ou seja, estão habituados - pela própria natureza do seu trabalho intelectual - à ideia de que o que é verdade aqui "pode não o ser para lá dos Pirinéus" (parafraseado Montaigne (...)). Felizmente que assim é. Se as ciências humanas deixarem de se assumir como moles, o risco que se correria era o da arrogância "científica": o de se pretender que o justo, o belo, o útil, o bom, podiam ser objecto de uma prova universal, com régua e esquadro, cruzando as fronteiras das culturas e das sensibilidades (...)"

António M. Hespanha, in O Caleidoscópio do Direito

Benefits Supervisor Sleeping, de Lucian Freud



London Evening Standard

Tuesday, May 26

Hoje ouvi a conversa de duas senhoras no balneário do ginásio. Não costumo prestar atenção, não o fiz intencionalmente, mas valeu a pena ouvir, pensei no final. Contava a mais velha o acidente que o marido tinha tido na Praça de Espanha, "uma coisa horrível", atravessado na faixa oposta por culpa de outro veículo, que fugiu e nunca foi identificado. O carro ficou desfeito, e desde então o marido tem receio de conduzir. "Tenho uma amiga que nunca mais foi capaz de conduzir depois de se ter despistado sozinha", disse a senhora mais nova. E mais velha retorquiu: "E sabe o que é mais engraçado? O lugar ao lado do condutor ficou completamente destruído. Um polícia disse-me depois no hospital que se eu lá tivesse estado teria morrido de certeza." A senhora mais nova ficou brevemente silenciosa. Eu já não conseguia deixar de ouvir, queria intervir, dar a minha opinião, e não sabia como. "-Curiosamente nesse dia eu não tinha querido ir porque me sentia cansada."
"-Há coisas..."
"-Pois há. Ainda dizem que não há Deus.
Há Deus, há."

Monday, May 25

Balduin

Balduin passava os dias escondido debaixo da cama. Se alguém lhe pedia explicações pelo seu estranho comportamento, a criança limitava-se a esboçar um fraco sorriso. Balduin dormia debaixo da cama. Balduin lia debaixo da cama. Balduin vivia debaixo da cama.
Um dia, quando a cama caiu, Balduin morreu, como se fosse um gafanhoto debaixo de um sapato.

Paulo Rodrigues Ferreira, in A Prisão do Ético, 2009
Achado no Bibliotecário de Babel

Jeux d'enfants

Invento-te de algodão doce
e de contas coloridas como
o arco-irís para não ter
de te aceitar como és

(bom e mau também para
balançar senão caías)

porque estou habituada a
ouvir que as coisas perfeitas
são efeméras
- e não aceito que possas
ser uma borboleta porque
quero que vivas para
sempre no meu peito.

04-05-2009

Thursday, May 21

Wednesday, May 20


"He knew how to make love like a woman and how to kill men like a man"

Salman Rushdie, in The Enchantress of Florence

Sunday, May 17

Não sou paciente

Não sou paciente eu só finjo
que tenho paciência.
Aprendi a abrandar marés contando lentas
inspirações expirações alternadas completas,
aprendi a dormir com a chuva a lavar os telhados.
Mas em dias
como o de hoje era capaz
de te arrancar os olhos e fazer com eles dois anéis
para usar como punhais
entalados no cinto da saia.

Soledade Santos, Nocturno com Gatos

Mudam-se os tempos

Wednesday, May 13

"Ortega y Gasset dizia que a função da escola é de falsificação porquanto criaria no aluno uma necessidade que ele realmente não tem: estudar."

Maria José Varandas, in As Armadilhas da falsa inclusão, JL

Saturday, May 2

24


"Right now, terrorists are plotting to assassinate a presidential candidate. My wife and daughter have been kidnapped... and people that I work with may be involved in both. I'm Federal Agent Jack Bauer, and today is the longest day of my life."


http://feiradolivrodelisboa.pt/

O sonho - Sebastião da Gama

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

Friday, May 1

Thursday, April 16

Baudelarian

Les gens qui passent dans la rue
ont tous l'air légère
de gens qui ne savent pas
le chagrin, ni l'amértume.
Heuresement.
S'ils l'auraient su
peut-être je ne pourrais pas
écrire peut-être personne
n'existait qui pouvait
comprendre le bonheur
des autres et l'état
epuisé de moi même.

13-04-2009

Wednesday, April 15

Tuesday, April 14



"To know life in every breath, every cup of tea, every life we take"

A preguiça

"A alma adora nadar. Para nadar, há que deitar-se de barriga. A alma despega-se e parte. Parte a nadar. (Se a vossa alma parte quando estais de pé, (...) ou apoiados nos cotovelos, para cada posição corporal diferente a alma partira com uma locomoção e uma forma diferentes, (...) )
Fala-se muito em voar. Não é isso. O que ela faz é nadar. E nada com as serpentes e as enguias, nunca de outro modo. Há imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar. Chamam-lhes vulgarmente preguiçosos. Quando a alma deixa o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal libertação de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontracção tão íntima.
A alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoante a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia romper) seria terrível para eles (para ela e para ele).
Então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se, por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como mercúrio, ou como gás – gozo interminável.
É por isso que o preguiçoso é incorrigível. Nunca mudará. É por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Pois acaso haverá coisa mais egoísta do que a preguiça? (...)
Mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.
Quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imediatamente. Olham-vos então com esse olhar de ódio, bem conhecido, que se vê sobretudo nas crianças."

Henri Michaux